O ocaso vinha longe no horizonte quando os dois, já sentados na mesa do bar, olhavam lentamente o garçom trazer dois copos molhados e um limão partido ao meio. Conversavam.
– E ai, que contas?
– Conto a falta, que sinto neste instante específico.
– Ta. Explica.
– Falo de uma palavra. Sete letras. Que só existe na língua portuguesa. E corresponde a um sentimento muito maior que a razão.
– Saudade?
– É. Por ai.
– Como é isso?
– Olha, eu juro que se fosse pra ficar com esse papo de terapia, nem tinha te tirado da faculdade pra vir aqui...
– Ta. Só conta o que acontece, eu escuto e... cadê a cerveja que não chega?
– Essa falta. Outros tempos me faria ficar pesaroso, inseguro. Agora... não chega à causar propriamente alegria, mas enche o peito com um calor capaz de rasgar os lábios em um sorriso gostoso. E, se fechar os olhos nesse instante, você sente o calor se espalhando pelo corpo, relaxando os músculos e transportando você de volta ao momento saudoso.
– Isso não é saudade. Não stricto sensu. Isso é outra coisa.
– Ah, que bom que você sabe o que eu estou sentindo. Me diz o que é então.
– Quer ver?
– Hum...
– Garçom, agora que trouxe a cerveja, pode por gentileza pedir ao Sr. Adalberto aquele dicionário que ele guarda lá nos fundos? Aquele que eu pedi outro dia.
– Então... Mas e aí?
– Daí que você é um chique. Um europeu que nasceu aqui por azar. Você não sente saudade, uma vez que, como você mesmo disse, isso não existe na Europa. Os suecos sentem falta, isso é chique. A gente por aqui sente saudade mesmo.
– Você falou em Suécia. De onde eu vim, eles sentiam sim. Na falta de palavras. Na falta do absurdo. Por acaso isso também não é saudade?
– Viu? Tanto tempo fora do "Brazil" te fez mal. Te digo cantando: “Se queres compreender o que é saudade, terás que antes de tudo conhecer...”
– Continuar cantando Fagner e pedir que eu vá embora são coisas que mantêm uma tênue distância, você sabia? Eu com a Europa e você com sua tara pelo nordeste e seus frutos.
– Ok, desculpe. O que eu quero dizer é saudade só remete a alegria como quando se é criança. Só. No mais, traz uma certa tristeza pela vontade de ter de volta o que se perdeu. E isso é completamente diferente do que está acontecendo com você.
– Eu sei. Repara não. Tenho motivos para estar bem, contente. Mas às vezes dá um nó aqui no peito... E eu não entendo nada. O choro vem do vácuo e não tem razão de ser porque não estou triste ou deprimido. Não sei, mas tenho a impressão de que é isso que é a verdadeira e essencial saudade.
– Sabe o que é verdadeira e essencial saudade?
– Ahnm...
– Um dia, Minha filha me acordou. Eram 6 da manhã, e ela tinha três anos. Fez então a pergunta que eu nunca imaginara: "Papai, quando eu morrer, você vai sentir saudades?" Emudeci. Não sabia o que dizer. Ela entendeu e veio em meu socorro: "Não chore, que eu vou te abraçar..."
– Nossa, verdade isso?
– Não. Tirei de um texto do Rubem Alves. Mas sei que ela, com três anos, já sabia que a morte é onde mora a saudade.
– Quanto tempo faz?
– Dois anos
– Eu sinto muito. Queira ter estado aqui.
– Não esquenta. Você estava longe, cumprindo seu papel no mundo, que com certeza sempre foi se tornar um cidadão europeu. E você não poderia ter feito nada. Ninguém poderia. Esta me ajudando agora, conversando comigo e agüentando meus resmungos.
– Pode ser que, o que vivemos hoje, é o momento que futuramente nos trará saudades que nos fará sorrir ou chorar.
– A verdade é que a sobriedade do tempo é alucinógena. Tanto faz um dia ou dois anos .
– Chegou o dicionário.
– Sim. Saudade, segundo o Dicionário Aurélio, trata-se de ”uma lembrança nostálgica e, ao mesmo tempo, suave, de pessoas ou coisas distantes ou extintas, acompanhadas do desejo de tornar a vê-las ou possuí-las”.
– Hunm... entendi.
– Viu porque você não está com saudades?
– Sim.
– E agora: como é isso?
– Algo que te deixa tão feliz que até dói. Acho que a palavra do dia, em sueco, é "prestationsångest". Significa ansiedade frente a uma realização.
– Correto. Acho que agora entendestes o que estava dizendo: Por cada momento ser uma futura saudade, comemore-o da melhor maneira possível, sendo feliz.
– Outra cerveja?
– Sim. Outra cerveja.
3 comentários:
cara, massa esse conto ai!!! a primeira coisa que pensei lendo esse conto foi das nossas conversas, ai vc me fdala que pensou em nós dois mais velhos conversando sobre as mazelas da vida... puts!!!
" A saudade é o bolso onde a alma guarda aquilo que ela amou e perdeu. Mas, se ela amou, isso está destinado à eternidade. A saudade é o rosto da eternidade refletido no rio do tempo."
(Rubem Alves)
P.S. O comentário tá anônimo,mas kem colocou foi eu, Leide, é q toda vez eu eskeço minha senha e tenho q fazer um nvo cadastro,heheheh.
Bjo, gostei muito da reflexão, td de bom!!!!!
Nice idea with this site its better than most of the rubbish I come across.
»
Postar um comentário