segunda-feira, maio 22, 2006

Em terra de cego... quem vê está no lugar errado

O ocaso vinha longe no horizonte quando os dois, já sentados na mesa do bar, olhavam lentamente o garçom trazer dois copos molhados e um limão partido ao meio. Conversavam.

– E ai, que contas?

– Conto a falta, que sinto neste instante específico.

– Ta. Explica.

– Falo de uma palavra. Sete letras. Que só existe na língua portuguesa. E corresponde a um sentimento muito maior que a razão.

– Saudade?

– É. Por ai.

– Como é isso?

– Olha, eu juro que se fosse pra ficar com esse papo de terapia, nem tinha te tirado da faculdade pra vir aqui...

– Ta. Só conta o que acontece, eu escuto e... cadê a cerveja que não chega?

– Essa falta. Outros tempos me faria ficar pesaroso, inseguro. Agora... não chega à causar propriamente alegria, mas enche o peito com um calor capaz de rasgar os lábios em um sorriso gostoso. E, se fechar os olhos nesse instante, você sente o calor se espalhando pelo corpo, relaxando os músculos e transportando você de volta ao momento saudoso.

– Isso não é saudade. Não stricto sensu. Isso é outra coisa.

– Ah, que bom que você sabe o que eu estou sentindo. Me diz o que é então.

– Quer ver?

– Hum...

– Garçom, agora que trouxe a cerveja, pode por gentileza pedir ao Sr. Adalberto aquele dicionário que ele guarda lá nos fundos? Aquele que eu pedi outro dia.

– Então... Mas e aí?

– Daí que você é um chique. Um europeu que nasceu aqui por azar. Você não sente saudade, uma vez que, como você mesmo disse, isso não existe na Europa. Os suecos sentem falta, isso é chique. A gente por aqui sente saudade mesmo.

– Você falou em Suécia. De onde eu vim, eles sentiam sim. Na falta de palavras. Na falta do absurdo. Por acaso isso também não é saudade?

– Viu? Tanto tempo fora do "Brazil" te fez mal. Te digo cantando: “Se queres compreender o que é saudade, terás que antes de tudo conhecer...”

– Continuar cantando Fagner e pedir que eu vá embora são coisas que mantêm uma tênue distância, você sabia? Eu com a Europa e você com sua tara pelo nordeste e seus frutos.

– Ok, desculpe. O que eu quero dizer é saudade só remete a alegria como quando se é criança. Só. No mais, traz uma certa tristeza pela vontade de ter de volta o que se perdeu. E isso é completamente diferente do que está acontecendo com você.

– Eu sei. Repara não. Tenho motivos para estar bem, contente. Mas às vezes dá um nó aqui no peito... E eu não entendo nada. O choro vem do vácuo e não tem razão de ser porque não estou triste ou deprimido. Não sei, mas tenho a impressão de que é isso que é a verdadeira e essencial saudade.

– Sabe o que é verdadeira e essencial saudade?

– Ahnm...

– Um dia, Minha filha me acordou. Eram 6 da manhã, e ela tinha três anos. Fez então a pergunta que eu nunca imaginara: "Papai, quando eu morrer, você vai sentir saudades?" Emudeci. Não sabia o que dizer. Ela entendeu e veio em meu socorro: "Não chore, que eu vou te abraçar..."

– Nossa, verdade isso?

– Não. Tirei de um texto do Rubem Alves. Mas sei que ela, com três anos, já sabia que a morte é onde mora a saudade.

– Quanto tempo faz?

– Dois anos

– Eu sinto muito. Queira ter estado aqui.

– Não esquenta. Você estava longe, cumprindo seu papel no mundo, que com certeza sempre foi se tornar um cidadão europeu. E você não poderia ter feito nada. Ninguém poderia. Esta me ajudando agora, conversando comigo e agüentando meus resmungos.

– Pode ser que, o que vivemos hoje, é o momento que futuramente nos trará saudades que nos fará sorrir ou chorar.

– A verdade é que a sobriedade do tempo é alucinógena. Tanto faz um dia ou dois anos .

– Chegou o dicionário.

– Sim. Saudade, segundo o Dicionário Aurélio, trata-se de ”uma lembrança nostálgica e, ao mesmo tempo, suave, de pessoas ou coisas distantes ou extintas, acompanhadas do desejo de tornar a vê-las ou possuí-las”.

– Hunm... entendi.

– Viu porque você não está com saudades?

– Sim.

– E agora: como é isso?

– Algo que te deixa tão feliz que até dói. Acho que a palavra do dia, em sueco, é "prestationsångest". Significa ansiedade frente a uma realização.

– Correto. Acho que agora entendestes o que estava dizendo: Por cada momento ser uma futura saudade, comemore-o da melhor maneira possível, sendo feliz.

– Outra cerveja?

– Sim. Outra cerveja.

3 comentários:

as avessas disse...

cara, massa esse conto ai!!! a primeira coisa que pensei lendo esse conto foi das nossas conversas, ai vc me fdala que pensou em nós dois mais velhos conversando sobre as mazelas da vida... puts!!!

Anônimo disse...

" A saudade é o bolso onde a alma guarda aquilo que ela amou e perdeu. Mas, se ela amou, isso está destinado à eternidade. A saudade é o rosto da eternidade refletido no rio do tempo."
(Rubem Alves)

P.S. O comentário tá anônimo,mas kem colocou foi eu, Leide, é q toda vez eu eskeço minha senha e tenho q fazer um nvo cadastro,heheheh.
Bjo, gostei muito da reflexão, td de bom!!!!!

Anônimo disse...

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