domingo, junho 25, 2006

38

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As velas já tinham parado de queimar. As flores ensaiando o murcho. Entrou pela sala, sem saber o que dizer. Muito porque não havia algo que pudesse ser dito. Porque sabia que poderia ter sido um pouco mais disponível, ou ao menos ter chegado mais rápido. Aproximou-se, e ela, ao lado do caixão, levantou-se e o abraçou. Mudo, porque sabia que ela não ia ouvir. Há muito ela já não ouvia bem. E ela só queria falar, já que sabia que aquele era o momento em que tudo deveria ser lembrado, sob pena de virar esquecimento. E ele só queria tirá-la dali, livrá-la da dor.


Penalizou-se porque sabia que deveria ter estado ali antes. Não para salvar ninguém, porque entendia que não poderia ter feito nada. Mesmo antes de ele nascer, seu tio já era alcoólatra. E todos ali sabiam que não aquilo não ia durar. Que talvez tivesse sido o melhor para ele. Sabiam que não tinha mais condições de cuidar da própria vida, já há alguns anos. Tinha perdido o motivo. Todos entendiam isso e choravam. E, se choravam, era por eles mesmos, não pelo corpo. E de repente percebeu que, mesmo na tristeza coletiva, nada é mais particular do que o sofrimento.


E viu-se consolando pessoas que mal conhecia. E ajudando a resolver pequenos problemas que, dada a situação, era o mínimo que podia fazer. E se viu fora de si, observando de cima. Dividiu-se entre o que precisava fazer e o que precisava pensar. E as partes trabalharam melhor em separado. Ele, que queria se sentir mais culpado, acabou por se fortalecer mais um pouco, embora isso não o tivesse tornado mais alegre, ao momento. Esperou para chorar depois do enterro enquanto, sozinho, saboreava um sorvete, que é mais gostoso em praça de cidade do interior.

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A todo espírito sem descanso.

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