
Inspirou. As luzes acesas e a sombra nas cadeiras sufocavam, as persianas e a estante cheia de livros pareciam dobrar-se. Sem coragem, fechou os olhos. A visão era a mesma, com a exceção de que rodava. Abriu a boca para gritar. Silêncio. Preguiça de incomodar os vizinhos, aprontar confusão. O gancho do telefone pendulando. Vago. O encanamento contorcia e os barulhos insistiam em enroscar ao pensamento. Lembranças. O pequeno canário canadense tamborilava um canto nervoso. Ouvindo gente se espalhando por sobre as calçadas dos bares.
A mancha escorria vermelha já molhava a camisa, esticava e espremia no ritmo dos latejos da cabeça. Medo da imaginação. Ficava de fora, não tomava parte naquilo. Perdendo o ar, a liberdade, e sumindo. Lembranças. Encolhendo a cabeça dentro das inúmeras rachaduras do piso. A porta rufava e não queria calar. Sentia os pés surrarem o mogno belamente esculpido. Incômodo. O pulmão arfava em se soltar, se perder na agonia pulava por dentro e ofuscava as vistas. Obnubilando a centelha de vida. Pensamento pensando pensares que não se pensa.
Não queria levantar pra pegar água. A sede tinha diminuído e quase não incomodava. O copo vazio e a sentença. Colado ao chão. O canário tinha abaixado o volume, entoava tristes e curtos sibilos. Os rufos do mogno cessavam, sobrara o rangido do metal. Longe. De repente, tudo virou silêncio. Pessoas entrando correndo pela porta escorrendo pelas frestas da madeira. Sobravam livros, luzes e o canário. Lembranças. Encostou o ouvido no chão e tateou lentamente. Pensou que, caso se concentrasse, ouviria o seu coração bater. Expirou. Silêncio.
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