sexta-feira, agosto 24, 2007

Pegadores de Memórias

A idéia vem da obra de Daniel Quinn. Se você leu, já sacou, se não, explico-me: esse autor trabalha com dois conceitos, Pegadores e Largadores, que costumam, segundo um velho amigo meu e o próprio Quinn, ser bastante confundidos. Ele define Pegadores como as pessoas que tentam pegar o controle do mundo em suas mãos, acham que o modo como vivem é o melhor e que todos deveriam viver assim, e não querem desistir dele por nada. Largadores são os que decidem largar o controle do mundo nas mãos dos deuses, ou seja, das forças da natureza, o que obviamente nos remete a tribos não civilizadas.
Pense nos indígenas da Melanésia (não do Brasil, porque aqui tem muito índio que tranca a comida e negocia terra), aqueles cuja organização social não requer necessariamente intervenções severasno mundo, apenas vivem com o que é necessário para sua sobrevivência.
Pois bem, somos tambem pegadores de memórias. A espécie humana não se contenta em dominar o presente: a gente domina o passado também, a ai de quem diga que não dominaremos o futuro, haja mãe Diná. Controlamos inclusive o que deve ser lembrado, controlamos o que deve ser esquecido.
O resultado:a vida vira filme, editado, mixado, masterizado, com trilha sonora sutil que aumenta nas partes mais emocionantes, verdadeiro melograma. Cada lembrança é meticulosamente estudada pra saber se ela precisa ou não estar ali. Não é atoa que os mecanismos dos quais fala a psicanálise tenham nomes tão sugestivos: repressão (ou recalque), isolamento, ... É exatamente isso que a gente faz.
Obvio que nada disso é intencional. É tudo tão treinado durante o nosso desenvolvimento, como fazer diferente? Não obstante, pensamos que conhecemos nossa própria natureza. Sabemos exatamente como sempre fomos, e com uma boa previsão do que sempre seremos.
Pois bem. É minha opinião que, além de um Grande Esquecimento cultural dos Pegadores como grupo, há tambem, individualmente, há uma certa dose de esquecimento ontológico, pessoal, que adquirimos em nossa história de vida, e que é o ponto fundamental desse texto: o fato de a maioria de nós pensar, viver e tratar o mundo da forma como olha pra ele agora, mas considerando que, no passado, as coisas sempre foram assim. Eis aqui o sujeito que não aceita escrever por escrever, nas palavras do poeta Roger Samuel:

Não. Não escreverás um só texto
mas o que for dito e luminoso.


PS: Estranho voltar a escrever sem preocupações de novo. Porque tudo que me vem nesse exato momento são... preocupações.

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