sexta-feira, novembro 17, 2006

O Último Ar

A manhã começa a dar os primeiros sinais de um dia quente. A sala é abafada e cheira a tabaco, ao som de música instrumental. Ago celta.
Ele abriu a porta, com um olha de “já está ai?”, e pediu um momento.
Ao entrar, o de sempre há anos: O livro do Lacan embaixo do porta retrato, a mesa de mogno envelhecida, carcomida mas imponente. Na penumbra, o barbudo neurastênico, sempre, junto à parede observando, transcendia a pintura.
“Eu sei, sou uma mulher privilegiada. Uma mulher capaz de sentir um amor que muitos jamais irão sequer entender”...”Não consigo suportar o peso da minha própria existência; não tenho mais ânimo pra resistir e me levantar, não tenho por quê”.
Não tem porquê? O que você não tem, na verdade?
... “é como quando se vê duas pessoas que andam lado a lado, à distância, em nossa direção. Elas parecem mesmo estar lado a lado. Mas apenas caminham na mesma velocidade, uma a alguns passos a frente da outra”.
“Não diga elas, diga eu”.
“Sim, sim... em algum momento pode até parecer que conversam, que compartilham o mesmo trajeto diariamente, mas nunca se viram antes. É assim que eu me sinto em relação ao mundo”.
“Às vezes, andar lado a lado não significa estar junto, afinal”.
“Olho para ele, é como se fosse dizer algo, mas estou distante. Imagino quantos são os que de dentro de seus próprios passos, como eu, já imaginaram andar lado a lado”.
“Mas eu e ele, sabe, vivemos no mesmo tempo e em tempos diferentes. Eu estou... estou...”
“Está? Como você está?”
“... morta”.

4 comentários:

as avessas disse...

é... tem dia que eu assusto com oq vc escreve ai! “Às vezes, andar lado a lado não significa estar junto, afinal”... não gosto de pensa na existencia dessa frase!

Anônimo disse...

“Às vezes, andar lado a lado não significa estar junto, afinal”.

Gostei muito, Alysson!

Unknown disse...

Nossa que profundo!
há muito tempo nao lia nada seu...
vc está de parabens!
perfeito!

Anônimo disse...

Afinal... Onde estão os textos?
Abraço!